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Vive la France de la multitude

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PARIS, FRANCE - NOVEMBER 15:  A rose is placed beside a bullet hole at La Belle Equipe restaraunt on Rue de Charonne following Fridays terrorist attack on November 15, 2015 in Paris, France. As France observes three days of national mourning members of the public continue to pay tribute to the victims of Friday's deadly attacks. A special service for the families of the victims and survivors is to be held at Paris's Notre Dame Cathedral later on Sunday.  (Photo by Jeff J Mitchell/Getty Images)

Quem está lendo os atentados em Paris como uma resposta de guerra do ISIS contra a França está caindo na ratoeira. Essa é exatamente a interpretação do governo francês para instaurar uma política de medo patriótico, como aquela pós-11/9 nos Estados Unidos. Só pra começar, diferentemente dos atentados de 2001, desta vez o alvo não foi o World Trade Center ou o Pentágono. Os ataques se distribuíram entre a Gare du Nord e a praça da Bastille, ponto de encontro de jovens de vários países e vários bairros da cidade, com muitos imigrantes e turistas.

Talvez o mais próximo disso, no Brasil, seria a Lapa carioca (antes e depois dos Arcos) ou a Rua Augusta paulistana (alta e baixa), onde as pessoas se encontram pra se divertir, dançar, ficar doidão, pra viver um pouquinho a potência da ilusão de não ter patrões, pais, guardas, sacerdotes, apenas por uma noite. Ali, naquelas boates, bares e cafés, todas as noites se encontra a juventude cristã e islâmica, agnóstica e budista, universitários, músicos, boêmios de toda praça. A programação do Bataclan inclui rap argelino, raggamuffin caribenho, eletrônico escandinavo, rock americano, hip hop das banlieues… no dia do atentado, rolava garage rock californiano. Imediatamente depois, quando os senhores da guerra já começavam a montar os tabuleiros, os moradores de Paris abriram as portas e fizeram uma campanha “Portes Ouvertes” — gesto mais que simbólico, de enfrentamento das sobrecargas paranoicas de que se alimentam o terrorismo e a guerra.O ataque do Estádio também foi pegar a diversidade que pulsa no futebol, esporte bárbaro e de multidão.

Então calma nessa hora de fechar a análise na guerra da Síria e na geopolítica ocidental no Oriente Médio. O alvo não foi a França, ou melhor, foi essa outra que não está contida nas fronteiras e que não se submete às geopolíticas. As vanguardas tóxicas do Daesh não atacaram um símbolo sagrado da França, não bombardearam o Louvre, a Sorbonne, o Túmulo de Napoleão ou algum Palácio, como faz crer o presidente Hollande ao fechar o discurso com “Vive la France”.

Pra usar um textinho de Agamben que virou Ersatz, os atentados não tinham propósito de profanação do Ocidente, da cultura hegemônica, do Capitalismo com C maiúsculo. Foi o contrário, os agressores é que se sentiam profanados pela “abominação e perversidade”. Quão achatada seria uma análise de um neocolonialismo prêt-à-porter, tão medíocre quanto desfocado. A França atacada foi a da diversidade, da miscigenação, da vibrante cultura mundializada, com todas suas contradições, polivalências e impasses, com mil problemas. A França jovem, o devir-mundo da França.

Nesses atentados, tem um quê de pureza, de aplainamento raivoso contra a diferença e o amor da diferenciação, em nome da purificação cultural, racial, ideológica. Então não sejamos ratinhos atrás do queijo fácil das grandes narrativas. Isto apenas como primeiro cuidado diante do intolerável que nos interpela.


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